A Bahia já registrou 68 feminicídios até o dia 21 de setembro deste ano, segundo a Polícia Civil. O número representa 7,5 mortes por mês, este ano, ou uma mulher assassinada a cada quatro dias, em casos envolvendo violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima.
O caso de Raquel da Silva Almeida, 34 anos, encontrada morta a facadas em casa, no bairro de Massaranduba, no domingo (24), ainda não foi classificado como feminicídio, mas para familiares e amigos não resta dúvida. O principal suspeito, Diego Andrade, é o marido da vítima. Ele se apresentou à polícia na tarde desta segunda-feira (25), foi ouvido e liberado por não haver os requisitos legais para a prisão em flagrante. A Polícia Civil informou, no entanto, que a prisão preventiva será solicitada ao Judiciário.
Uma amiga de Raquel contou que Diego começou a implicar com as amizades dela, disse que ele estava ficando isolado nos eventos sociais, sempre pelos cantos, e que era comum ele cometer ofensas verbais contra a esposa.
Raquel foi dormir por volta da meia-noite de domingo (24). Horas depois, foi encontrada no chão do quarto, com diversas perfurações de faca e já sem vida. No sofá, o filho de 11 anos agonizava com ferimentos no peito, no pescoço e nos braços. O corpo de Raquel será sepultado nesta terça-feira (26). O filho segue internado em estado grave.
A família mora em um pequeno prédio com dois pavimentos na Rua do Tubarão, em Massaranduba. Raquel e Diego se conheceram em abril de 2020, através de amigos em comum. Alguns meses depois começaram a namorar e, em julho de 2022, casaram com festa religiosa e cerimônia no cartório civil. Eles passaram a morar no último andar do prédio.
Segundo a cuidadora de idosos Ariele Almeida, 30 anos, irmã da vítima, o casal parecia viver em harmonia. Raquel não fazia queixas em relação ao marido e a família nunca notou hematomas, mudanças de comportamento ou outros sinais que indicassem violência. Diego trabalhava como gari, mas perdeu o emprego no ano passado e começou a trabalhar com Raquel na loja dela, no Jardim Cruzeiro.
“Ela tem uma lojinha que vende roupa, calçados, bolsas, essas coisas, e ele trabalhava fazendo as entregas. Entre eles, a gente nunca percebeu nada de violência física, mas era nítido que Diego não gostava do meu sobrinho. Raquel tem um filho de 11 anos, de outro relacionamento, que mora com eles. Diego maltratava muito o menino”, contou Ariele.
Na madrugada de domingo (24), por volta das 3h, a família ouviu barulho no andar de cima. Parecia alguma coisa caindo ou sendo derrubada, mas contaram que não houve gritos e nem pedidos de socorro. “Pensei que minha irmã estivesse fazendo alguma coisa em casa, porque eu também tenho o hábito de levantar de madrugada para fazer coisas ou de ir dormir tarde ajeitando a casa”, contou Ariele.
A família acredita que esse foi o momento do crime. No dia seguinte, o casal e a criança não saíram de casa, até que no final do dia Diego desceu as escadas carregando uma mochila, fechou o portão e sumiu. Alguns minutos depois ele teria mandado uma mensagem no grupo de amigos contando que havia matado Raquel e o menino e que iria se entregar para a polícia, o que aconteceu na tarde de ontem, por volta das 16h30.
A mensagem deixou amigos e familiares em pânico. Eles correram até o prédio, abriram o portão e ao subir as escadas notaram as manchas de sangue nos degraus. O corpo de Raquel estava no quarto. A criança estava no sofá, bastante ferida, mas ainda respirava. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e a Polícia Militar foram acionados.
A família contou que o menino teve parada cardiorrespiratória no caminho, mas conseguiu chegar ao Hospital Geral do Estado (HGE) com vida. Antes de passar por cirurgia, ele contou que se fingiu de morto para sobreviver. O estado de saúde é considerado grave. Raquel tem outro filho, mas que mora com o pai e não estava no imóvel no momento do crime.
A madrinha e amiga da vítima, Edna Moreira, procurou, mas não encontrou os documentos de Raquel para entregar para a polícia. Cartões de crédito e os dois celulares da vítima também desapareceram. A família acredita que estejam com Diego, assim como a arma do crime, porque a faca não foi encontrada. As fotos do casal que ficavam na casa foram rasgadas, incluindo um banner do casamento, e as imagens que estavam nas redes sociais foram apagadas.
“Ele entrou em contato com as clientes que tem dívidas com Raquel para cobrar os pagamentos. Ele está usando o celular dela para cobrar as pessoas. Eu estou arrasada, não esperava isso dele. Raquel era como uma filha para mim. Toda segunda-feira a gente vê notícia de mulher que foi morta pelo marido, mas a gente nunca pensa que pode acontecer na nossa família. Eu quero saber por que ele fez isso”, disse Edna, emocionada.
A motivação do crime ainda é um mistério. Diego morava em Sete de Abril antes de ir viver com a esposa, em Massaranduba, e tem familiares também em Aracaju (SE). A mãe da vítima mora no andar térreo do prédio, acordou na madrugada no momento do barulho e pensou em subir para ver o que estava acontecendo, mas foi convencida a permanecer deitada. Ela está se recuperando de uma cirurgia.
Além dos dois filhos, Raquel deixou pais e quatro irmãos. A Polícia Civil informou que o crime está sendo investigado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
Os casos de violência doméstica podem ser denunciados através do 180 ou nas unidades territoriais. Na Bahia, há 15 Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher (Deams) e sete Núcleos Especializados de Atendimento à Mulher (Neams). Há também a Deam Online, com funcionamento 24 horas para o registro de ocorrências e atendimento. Em Salvador, as unidades ficam na Rua Padre Luís Filgueiras, em Brotas; e na Rua Dr. Walter Almeida, em Periperi.